Quando a crise se aprofundou no Brasil, os estudantes saíram às ruas e ocuparam escolas, protestando por um ensino público de qualidade e uma cidade mais inclusiva. Espero Tua (Re)volta acompanha as lutas estudantis desde as marchas de 2013 até à vitória do presidente Jair Bolsonaro em 2018. Inspirada pela linguagem do próprio movimento, o filme é narrado pelos três estudantes, representantes de eixos centrais da luta, que disputam a narrativa, explicitando conflitos do movimento e evidenciando sua complexidade.
Usando material inédito, reportagens da época e imagens de arquivo das marchas e ocupações, Espero tua (Re)volta é uma tentativa de compreender a recente e intensa história brasileira a partir das lutas estudantis.
Fá-lo a partir do olhar de três jovens, pré-universitários: Lucas “Koka”, Marcela Jesus e Nayara Souza, que propõem diferentes pontos de vista e vivências, mas que têm em comum o ativismo por um ensino público de qualidade e por uma cidade mais inclusiva. As lutas por direitos coletivos acabaram por render-lhes também importantes conquistas individuais: a partir dos debates de feminismo, temas LGBT e antirracismo realizados dentro das ocupações, os jovens transformaram suas relações e suas próprias formas de se verem e se apresentarem no mundo.
1. “Caralho, como vai ser esse futuro?” é a pergunta quase no fim do documentário “Espero tua (re)volta”, de Eliza Capai, que acaba de ter estreia mundial no Festival de Berlim. Ela vem dos três jovens protagonistas, que como dezenas de milhares, sobretudo filhos de pobres, ocuparam as escolas secundárias públicas no Brasil nos últimos anos, para que muitas delas não fechassem, para que o Estado não congelasse a Educação. O filme centra-se nas ocupações pioneiras de São Paulo, em 2015, mas recua a 2013, o ano em que as ruas explodiram, e vai até Dezembro de 2018, incluindo a vitória de Bolsonaro.
E é nesse momento de escuridão, com o presidente eleito decretando a morte de todo o activismo, que os três jovens do filme perguntam, depois de incontáveis bombas de gás, bastões, arrastões da polícia: “Caralho, como vai ser esse futuro?” É espanto, é medo, mas não é derrota. Por isso, antes do fim tem a jura: “Aqui ninguém vai voltar pra senzala, pro armário, pra cozinha. Eles não passarão!” Sendo sobre estudantes de escola pública em revolta, o que este filme mostra é a pulsão — a tesão — que faz do Brasil, sim, país do futuro. Tão incrivelmente vivo no meio da morte, cercado de morte, ameaçado de morte.
E nada será mais urgente no começo de 2019, em qualquer lugar onde essa pergunta, por mil e uma ameaças, nos pára o coração: “Caralho, como vai ser esse futuro?”
2. Vendo esse filme em casa, agora, na periferia de Lisboa, não parei de chorar. Não por luto do Brasil que vi nas ruas desde 2013, pensando no desfile de horrores desde então, em quem ocupa cada vez mais poder, na licença para o Estado chacinar, como ainda esta semana aconteceu numa favela do Rio de Janeiro, 13 mortos. Que se somavam já aos jovens atletas mortos no Flamengo, num incêndio em instalações precárias, sem autorização de habitação, maioritariamente negros. Jovem, pobre, negro: uma coisa só.
E como o filme mostra esse contraste permanente, brutal, entre jovens, em maioria pobres, negros, e os brancos engravatados no poder. Há uma sequência, espécie de resumo dos alicerces do Brasil, em que os estudantes, já há muito em luta, com muitas noites em claro, muito trabalho, ainda assim esfuziantes de energia e força, estão diante de uma mesa de fantasmas engravatados. A vida, uns degraus abaixo, sem microfone, mas vibrante, e lá no topo, como mortos-vivos, os mandantes pálidos, com direito ao microfone e à última palavra, todos homens, brancos, engravatados, empertigados. É o contraste entre qualquer rua do Brasil e os deputados no Congresso. O contraste entre os estudantes de escola pública entregues à luta pela sua própria educação, ocupando o asfalto, e a madame que nunca viveu estes problemas, porque como toda a elite tem acesso a escolas privadas, e quer passar com o seu carro. Atrasada, sim, mas não meia hora. Centenas de anos.
Alexandra Lucas Coelho
15 fev 2019
Fonte: https://24.sapo.pt/opiniao/artigos/esperem-a-nossa-revolta