Gentian Koçi, 2022, Albânia, Portugal, Grécia, Kosovo, 99 min.
O que acontece a um ser humano quando as suas janelas de perceção são emparedadas de forma irreversível? Quando descobrem a iminente cegueira que o destino lhes guarda, Agim e Gëzim, dois irmãos gémeos, idênticos, inseparáveis e Surdos, constroem uma nova linguagem feita de silêncios opacos.
Estamos em Tirana, nos dias de hoje, onde os irmãos, na casa dos trinta anos, vivem juntos debaixo do mesmo teto. Ana, a namorada de Gëzim, uma mulher jovem e enérgica, visita-os com bastante frequência. Uma noite, Agim está a conduzir de regresso a casa com Gëzim, quando fica com a visão turva e quase sofre um acidente fatal. Alguns dias mais tarde, no oftalmologista, descobrem que, em virtude de uma doença genética rara, ficarão cegos de forma progressiva e irreversível.
Nesta história baseada em factos verídicos, a beleza crua e, por vezes, cruel que há na tristeza revela-se em espaços temporais poéticos. Mergulhando lentamente numa escuridão insuportável, sem serem capazes de ver o mundo ou de se verem um ao outro, e tendo apenas Ana por companhia, diante de um café e de um novo par de sapatos, os dois irmãos veem-se confrontados com uma firme decisão.
Nesta alegoria cinemática dos próprios limites do cinema, há uma viagem a travar pela melancolia e por um desconforto que parece terminar apenas quando se tornar em conforto ou, quem sabe, em algo novo por descobrir.
Um café e um par de sapatos novos é um drama existencial íntimo que decorre principalmente num apartamento, no contexto urbano de Tirana. A exploração da evolução das relações humanas e a sua profunda complexidade numa situação absolutamente existencial sempre me fascinaram.
Esta história baseia-se em dois irmãos gémeos, idênticos e Surdos, e no seu intenso amor fraternal, desenrolando-se debaixo do mesmo teto. Ao descobrirem que, em virtude de uma doença genética, ficarão cegos de forma lenta e progressiva, começam a compreender que nunca mais se verão um ao outro e perderão a comunicação com o mundo. Senti-me fascinado com a ideia de realizar um filme que tratasse de questões fundamentais como: o que acontece a um ser humano quando mergulha completamente na escuridão, sem ser capaz de comunicar com os outros e com o mundo? O que acontece a um ser humano quando todas as suas janelas de perceção são emparedadas de forma irreversível?
Um dos mais importantes desafios para mim, enquanto realizador, foi o de manter um subtil equilíbrio entre o drama individual e a insuportável separação de dois irmãos gémeos inseparáveis. A realização deste filme representa, para mim, um desafio estético: que elementos de estilo devia usar e em que medida, com vista a narrar esta história de uma forma minimalista e realista, mas também dinâmica e não abusiva.
Pessoalmente, creio que uma subtil economia de verdades não contadas entre os dois irmãos e Ana, permite que a história se desenrole ao seu próprio ritmo, deixando margem a espaços temporais poéticos e reflexivos no filme ao manter o espetador emocionalmente envolvido ao longo do desenvolvimento do drama. A forma como os personagens lidam com o espaço é uma das componentes visuais mais importantes.
Um café e um par de sapatos novos tem lugar sobretudo em locais interiores (pequenas salas, casas de banho, apartamentos, instalações hospitalares). A câmara pode, deste modo, aproximar-se mais dos personagens para penetrar gradualmente no seu estado psicológico e na evolução da sua relação. Uma componente igualmente importante neste filme é o som. Os personagens principais comunicam em linguagem gestual albanesa, o que exige uma dinâmica e energia corporificadas quando os dois personagens comunicam ou interagem com o meio que os rodeia. O facto de os dois personagens não possuírem perceção auditiva, leva-os a produzir sons e ruídos mais fortes do que o habitual, o que transmite ao espetador uma sensação estranha de tensão ao longo de todo o filme. A harmonia dos sons e dos silêncios representa o que, pessoalmente, considero ser a “música” do filme. Em termos de tom e estilo, procurei equilibrar o que vemos e o que não vemos, libertando ao mesmo tempo a minha linguagem cinematográfica, tanto quanto possível, daquilo a que chamo de convenções da linguagem do cinema.
Os movimentos quotidianos repetitivos dos personagens, bem como os diálogos corporais mínimos e intensos numa linguagem gestual tátil, condensam fortes emoções cinemáticas, ao passo que os banhos de cores frias ajudam a revelar a soturnidade poética e reflexiva da história. Um café e um par de sapatos novos aborda com empatia e dignidade os desafios existenciais e éticos que influenciam fortemente as opções de vida das pessoas com deficiência visual e auditiva. Esta história única e existencial é um drama meticuloso, sensível, penetrante e estimulante sobre a fraternidade, o amor e a comunicação, que se transforma numa alegoria cinematográfica dos próprios limites do cinema. Sem imagem! Sem som! Sem fala!
Bergamo Film Meeting, 2023
Prémio de Melhor Realização
Festival de Cinema Europeu Cinedays, 2023
Prémio Golden Sun para Melhor Filme no programa SEE Program
Prémio da Associação de Críticos da Macedónia
Festival Internacional de Cinema Pristina, 2023
Prémio de Melhor Ator (Edgar Morais e Rafael Morais)
Festival Internacional de Cinema de Tessalónica, 2023
Prémio do Público