José Barahona, Portugal/Brasil, 2024, 105 min.
Meados do século XIX. Um grupo de sobreviventes do naufrágio de um navio negreiro, brancos e negros, dão a uma ilha deserta.
A luta pela sobrevivência e pelo poder vai inverter os valores morais e sociais da época. Isolados, será possível encontrar uma forma de viver em harmonia?
Quando, há varios anos, comecei a pensar o filme Sobreviventes, ele era um filme de aventuras. Uma história de naúfragos numa ilha deserta, numa praia que na maré cheia não tem chão. Primordialmente, julgo que Sobreviventes ainda é um filme de aventuras, embora outras camadas importantes tenham surgido ao longo deste tempo e que quase escondem este nosso filme aventuroso quando falámos sobre ele.
Transitando entre a ficção e o documentário, e muitas vezes misturando os dois, os meus filmes têm abordado com frequência as questões históricas e pós-coloniais portuguesas, principalmente na relação com o Brasil.
Por muito tempo, Portugal olhou para o seu passado colonial de uma forma muito suave. O tema da escravatura foi muitas vezes “esquecido” e é essa, a outra grande questão abordada neste filme, que comecei a escrever há mais de 10 anos. Quase 5 milhões de africanos foram levados de África para serem escravizados no Brasil. Não é possível esconder o crime da escravatura atrás de uma “gloriosa” epopeia ultramarina. O mito do colonizador que se miscigenou pacificamente não corresponde às histórias da escravatura, da violação das mulheres locais, indígenas e negras, que ouvi, transmitido de geração em geração, ao viajar na costa e nos rios do interior do Brasil até aos confins da Amazónia, durante os últimos 15 anos.
Ao mesmo tempo, ao olhar para o passado através desta história de ficção, julgo que o filme pode ajudar a refletir sobre o presente e a possibilidade da formação de uma nova sociedade multi-étnica e pacífica. Além disso, saindo da esfera do macrocosmo para o microcosmo, interessa-me perceber como o individuo lida com o tema: a relação destas pessoas, negras e brancas, num espaço perdido, deslocadas do seu contexto.
Como é possível a harmonia e a instauração de uma sociedade igualitária e democrática depois de um passado de tanta violência? Não sabemos até hoje, mas ela é certamente desejável. É sobre isso que este filme pretende falar.
José Barahona